Foi dito, em tempos já remotos,
por alguém de saber atinado, com grande sentido de observação e excelente
conhecedor da raça que se auto promove como humana, que, e cita-se: “o
malfeitor volta sempre ao local do crime!”.
Foi com certeza uma observação
feita conhecendo causas e efeitos e baseada em factos concretos credíveis e sem
o mínimo de afinidade com o disparate. Por isso, que se saiba, ainda não foi
contestada tal teoria, nem de outra haver que contradiga tão profundo
pensamento. E mais, acontecimentos recentes, vêm dar alguma luz de
credibilidade a este pensamento tão perspicaz e que tantos agentes da
autoridade tem deixado nos locais, onde os fora da lei colhem frutos, esperando
que estes lá voltem para se cobrirem de orgulho pelo brilhante feito ali
deixado (a AR podia ser um bom exemplo para dar provas do facto só que os mal
feitores nunca são apanhados). E que acontecimentos são esses? Pergunta-se…
Consta, nos anais da história contemporânea,
que, nos idos tempos de à mais ou menos doze meses atrás, se deu uma
desconcertante invasão à cidade erguida entre sete colinas e banhada por um rio
que a refresca quando as brasas dum sol desfeito em chamas lhe provoca tais
ondas de calor que, nem gelados de cereais fermentados nem imperiais de mojitos
cubanos (ou será ao contrario) conseguem refrescar.
Foi uma invasão aparentemente
pacífica, vivida e relatada por quem viveu bebeu e ajudou na sua execução, e
que apanhou de surpresa os habitantes ensonados que observavam, de rosto
franzido e desconfiado, aqueles carregadores de mochilas com bengalas de apoio
ao reumático nas mãos, invadindo-lhes as ruas, entrando-lhes portas dentro e
dessincronizando um amanhecer que eles pretendia sereno e silencioso para se
recomporem da noite que só adormecera com o sol bem alto. Foi por isto, e também
por algum gozo que se via aqui e ali em quem mantinha os olhos abertos com
duas caricas de garrafas de cerveja, que a invasão foi passando de miradouro em
miradouro deixando em cada passagem o estandarte que a identificava acabando numa
catedral de cerveja erigida num terreiro junto ao rio, e que, não sendo, nunca,
oficialmente condenada, foi sentenciada como crime de lesa rotina nos anais dos
dignos povoadores das ruas e vielas estreitinhas onde há fado nas tasquinhas.
Os pensadores e peritos (excepção
feita ao prof JHS que já não pôde estudar este episódio) nestas coisas de
histórias e feitos invasionistas entre paredes do mesmo e ilustre sangue, um
dia dirão que: “por ser tão mirabolante, tão insano, tão apelante à festa, tão
cheio de alegria, com tanto gozo por olhar e viver a cidade de uma maneira tão
ao gosto de quem faz dos caminhos a doutrina que dá sentido à vida, esta
invasão nunca seria um crime, mas, na sua essência, estava algo perturbador para
as populações e, o que seria aconselhável, era que o retorno dos foragidos ao
local do crime fosse feito noutros moldes e em horas de maior movimento para
serem confundidos com outros povos, principalmente orientais de olhos em bico que,
em lugar de mochilas, carregassem MF”.
Depois de alguns anos, ao ler a
história, tudo parece fácil e dar palpites é como comer tremoços para empurrar
umas bejecas.
Para se concretizarem planos na actualidade,
tem de haver estudo aprofundado e prevenir eventuais represálias por tentativa de
plágio dum crime que tanto deu gosto em cometer.
Pois quem proferiu em tempos essa
tão preciosa frase, “o malfeitor volta sempre ao local do crime!”, neste caso
não se enganou.
Os malfeitores decidiram voltar
ao local do crime, e foram. Muitos repetentes e outros tantos novos.
Para que os historiadores daqui a
uns anos percebam à primeira e não inventem leituras complicadas para encher
programas de TV, aqui se contam as razões dum retorno à cena afrontosa sem que
os povos figurantes deitassem mau olhado ou tentassem boicotar o desempenho das
personagens principais.
A data: dias de festa na cidade,
o St padroeiro António
Convidou para a sardinhada
Toda a gente bem animada
Lá dos bairros e cercanias
Foi um festim casamenteiro
Com marchas e alecrim com cheiro
E fados nas noites vadias
E as horas: a população não
dormira
Em Alfama já cantara o galo
Servia-se o almoço na Graça
A Mouraria estava um regalo
Em Santa Catarina virava-se a
taça
Por isso: os invasores adornaram
a festa
Desde o térreo paço ate à Sé
Por vielas e escadinhas
calcetadas
Entre gente regozijando com fé
Estendiam cor pelas ruas
engalanadas
De colina em colina fundaram um
reino
Expandiram nas avenidas as folhas
serranas
Deixaram nas margens dum rio
sereno
Vincadas as marcas de opulências insanas
Nada será como antes na cidade mais
amada
Ao contrário de Moniz terão porta
escancarada
E quando de lá vierem com mochila
esgotada
Mostram sorrindo alegria p’la
cidade conquistada…
Falta dizer, para que a história
não fique com empanes para argumentos ou dados omissos para análises de época, que
a cena do crime foi inundada por um calor tórrido e as mentes, já de si pouco
dadas a comportamentos em que o civismo esteja presente, embrulharam-se num
remoinho de aplicações precárias de juízo e deixaram “o sol mio…” marchas, fados
muita algazarra e muitos “parabéns a você …” espalhados pelas ruas e bairros
com muita festa a saudar o St António.
No retorno ao local do crime os
invasores foram abençoados, resta dizer que estão absolvidos de todos os crimes
e podem voltar sempre que quiserem e a qualquer hora… Lisboa, as suas colinas,
os seus miradouros e os seus bairros são uma via aberta sempre engalanada e
pronta a receber toda a insanidade que por lá passar.
Isto é para os historiadores
perceberem, daqui a trezentos anos, o significado daquelas estátuas debaixo daquele
cipreste enorme no jardim do Príncipe Real…
Os meus agradecimentos aos artistas que fizeram as belas fotos que ilustram o texto:
Lena; Luísa; Carlos; Cristina; Zé&Dina e peço desculpa se me esqueci de alguém...
AS fotos não estão cronologicamente em sintonia com o texto mas isso também não interessa para nada, ou interessa?
joaocasaldafonte