É de facto magnífica!
Não estou a falar da ladeira,
essa faz parte duma imponente mastodôntica grandiosa estonteante gigantesca
irreverente desafiadora cratera embutida nas paredes da serra talvez, quem sabe,
empurrada por um meteoro que ali entrou em alta velocidade para fazer a cama
aos dinossauros que naquele lugar tinham o seu habitat.
Toda aquela monumentalidade tem á
sua volta inúmeras vertentes por onde a mais louca ousadia arregaça as mangas e
vai por ali acima até não haver mais escarpa para espezinhar. Todas elas arrepiam,
todas elas exigem esforços que nem todos os corpos suportam, todas elas dão que
fazer a quem fecha os olhos e vai atrás da vontade de superação das suas
capacidades e, no fim, quando os abre, vê que não há impossíveis, há o querer,
e ir até onde puder.
Foi assim numa vertente há muito
tempo descoberta e vencida. Essa já se sabia como era. Após uma primeira vez a segunda
confirmava e, à terceira, entre tantos outros desafios ali propostos, era como
moer o mesmo trigo varias vezes e a farinha não ficar mais fina por isso. A tentação
estava lá, irresistível. Resistir-lhe deixava a amarga incerteza do que era ou
não possível fazer.
A loucura nunca teve como fim a ponderação.
Sempre deixou esse acto de reflexão para quem sofra de pindéricas doses de bom
senso e, no momento de escolher entre o conhecido e o desafio que estava ali
exuberantemente estendido serra acima, fixou-se nos seus princípios e galgou a
ladeira como se de trinchar um belo peru assado no forno para deglutir numa
abençoada ceia de natal se tratasse. Acção bem contornada ao primeiro take, o
peru estava excelente e, apesar das incertezas quanto ás capacidades para o
retraçar, foi uma limpeza tão eficaz que nem os ossos sobraram para que o
canito tivesse a sua ceia de natal. Estava vencida outra vertente da Fórnea. Foi
um pouco como se sentiu toda a tripulação da armada que o Vasco da Gama
conduziu na descoberta do caminho marítimo para a India. Os mercados, que já
naquela altura cá chegavam, vinham por caminhos terrenos, depois passaram a vir
por mar.
A Fórnea não tem mercados nem tem
mar.
Tem no seu ventre uma rocha
escancarada por onde jorra uma cascata de água cristalina que vai descendo
serra abaixo abrindo caminho entre margens que lhe vão dando forma de rio.
Tem uma beleza rude e estonteante
que esmaga e cria sensações de pequenez a quem a contempla.
Tem, agora, dois caminhos abertos
para se chegar ao alto das suas escarpas e abraçar as nuvens que por ali andam
vigiando o horizonte que enche o peito e inunda o coração de quem se agiganta
para lhe estender os braços.
É de facto magnífica! Não, não
falo da ladeira!
É de facto magnífica a sensatez que
impera no seio de certos grupos alérgicos ao bom senso, na hora de decidir
entre o prazer dum estonteante despender de energias e um amortalhado remanso
que só amassa os neurónios pela pasmaceira, decidem-se sempre pela primeira e,
como não há excepção para regras fundamentadas na insanidade, quando no sopé do
monte se vislumbrou de novo o segundo caminho todos disseram presente e sem
hesitações nem contemplações, mandaram-se à ladeira como gato a bofe (eu bem
queria levar o gato).
Haverá uma próxima. Não é
garantido que seja a mesma. A Fórnea tem muitas ladeiras em outras tantas
vertentes. Abre-nos os braços com amizade sempre que a visita-mos e tem as
portas escancaradas para que a conheça-mos em toda a sua plenitude. Nós somos
amigos da Fórnea e, já agora, se há tantas associações de amigos de tudo e mais
alguma coisa, porque não uma associação Os Amigos da Fórnea…
Era de facto magnífico!
Escrevi isto a ouvir Mike Oldfield,
álbuns Ommadawn e Tubular Bells
joaocasaldafonte
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