Deu-se o caso da sexagésima vez que calçavam as botas para calcorrear
montes e vales por trilhos novos ensarilhados em velhos já conhecidos,
coincidir com o celebrar da morte e ressurreição daquele que deu a volta às
escrituras e fez nascer, para as gerações que estavam na calha, um novo
testamento.
Não foi agarrados a testamentos, velhos ou novos, que passaram mais
umas horas de amena cavaqueira. Por vezes debaixo de chuveiradas para refrescar
o ambiente. Entre nevoeiro cerrado onde se não viam corpos, moviam-se sombras
que se guiavam pelo tato e pelo som da algazarra que faziam. Subiram aos picos
mais altos, desceram aos fundos deslizando na vertigem das ladeiras. Nas planícies
espojaram-se na lama que carregaram em contra peso como quem carrega recados
para quem não aproveita.
Não são regidos por qualquer testamento. Do que gostam fazem-no sem
imposição e de livre escolha.
Não é pelo testamento, escrito para enfeitar as turbulências da vida,
que vão cirandando entre pousios ou cumeadas, antes pelo contrario.
Ouvissem, os moralistas da fé ligados à corrente do livro sagrado, os
ditos e pensamentos amorais e imorais que grassam pelos caminhos percorridos
nos finais de semana, e não eram aqueles que, fingindo amar a terra apregoam a
sua protecção com falatório panfletário argumentando que caminhar em grupo é
peso excessivo para o solo e tentam destruir a sã convivência com o ambiente criando
leis sem nexo e desprovidas de sentido, levariam à condenação por heresia os
amantes das pegadas sem grilhões. Esses arautos, que para se pentearem precisam
de perguntar ao livro sagrado como se faz e se o podem fazer, só descansariam
quando a fogueira crepitasse de gozo ao sentir as labaredas lambendo os corpos
hereges desses apóstolos do diabo que fomentam o caos na terra abrindo o
caminho ao apocalipse que destruirá a humanidade.
Novo ou antigo, a diferença está nos protagonistas mas, todos eles,
antes ou depois, têm uma coisa em comum: sempre se deslocaram a pé, sempre
fizeram caminhadas e, quando a locomoção embicou para outros meios, o redil
aburguesou-se e dai aos tabefes, à vida sedentária e aos Ferraris para o
engate, foi um pestanejar a alta velocidade. Por tudo isto se concluiu, ao fim
de alguns milhões de anos, que caminhar não causa destruição.
Caminhar é estender e cobrir os montes com alegria. É dar e receber
amizade. É fomentar o prazer pelo ar que respiramos e a liberdade de sentir o
tempo que nos vai cobrando por nos sentir-mos mas não nos tira esta vontade de
viver.
Foi mais uma caminhada de encher o pipo. O convívio final pelas
sessenta andanças e pelos ovos pascais, foi um festim sem foguetes, mas com
fogo de artificio que só o espirito que paira entre os afortunados que em bom
tempo se juntaram para carregarem baterias aos fins de semana, consegue
ribombar.
Há fogo de artificio que se alastra! Andarão por ai os princípios dum
terceiro testamento? Será que vem ai a Bíblia II???
Joaocasaldafonte
É com prazer que caminhamos pelos trilhos da tua escrita João!
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