quarta-feira, 22 de maio de 2013

O mau tempo falhou, cumpriu-se a vida


A semana fora aziaga.
Notícias davam conta de tempestades para o fim de semana, a meteorologia anunciava vendavais, olhava-se o tempo e a cara que se via não era para fazer amigos.
Previa-se borrasca de mãos largas e fartura de aconchegos de inverno, já guardados, saírem para a rua esvoaçando ao vento e dando tons mais lúgubres à paisagem.
Nada disto era assustador para os nómadas que aos fins de semana calçam as botas e tiram a gravata para andarem por ai galderiando sobre montes e terras planas. Já era pele
impermeável, pelas enxurradas carregadas, a que lhes cobria o esqueleto, e umas gotas de água não era incómodo que os atormentasse. Mas, o que a pele suportava, não deixava que o olhar consumisse e os passos avançassem numa cadência segura e ligeira pelas arribas onde a aventura estava escrita.
Está escrito, cumpre-se!
As escrituras não se devem ignorar!
Estava escrito, cumpriu-se.
Na hora certa, como se ponto tivessem de picar, ali estavam prontos para tudo, até para fazer o que os levara a levantar mais cedo da cama do que as horas a que o galo tem por hábito ligar o despertador. O tempo faltara à promessa. Da chuva nem sombras, o vento em contenção de esforços e as nuvens, em lugar dos negro fumos que deitam do caldeirão quando a água lhes ocupa todo o espaço da bexiga, eram favos de algodão branco decorando a tela onde o mar se reflectia. Não se discutiram alternativas porque não havia nada para alternar. Se o tempo falhara quem o dirige lhe pediria explicações. O cumpridores ligaram as ventoinhas e voaram para a festa.
Da praia para as arribas foi como um salto de canguru. Escada acima e, um aviso molhado na farpela de verão levou-os ao baú da mochila onde as bola de naftalina conservam os trajes de inverno lá guardados. Coisa de pouca monta. O baú não tardou a encher-se de novo com  os trapos que por lá hão-de ficar até ao inverno que venha com intenções mais castigadoras.
Afinal a semana aziaga deu em dia esplendoroso. Bom, nem todos se podem dar ao luxo de poder dizer que lhes correu bem o dia, mas o corpo não é ferro e às bananas falta-lhes o caroço, não sei se esta falta lhes faz perder o valor nutritivo, estou apenas a constatar um fato.
Um sol magnifico, um vento sem vertigem e umas esporádicas gotas de chuva que mais não eram do que chuveiros no caminho para refrescar do calor da beira mar, deram o dia perfeito para fazer das falésias marítimas simples estradas de sobe e desce percorridas em tom brejeiro galhofando com as agruras que fundões e altitudes desferiam nos corpos.
Do topo da colina ao fundo da ravina, descia-se alimentando o desafio dum calhau que foge debaixo dos pés e saltando os degraus da natureza feitos com pedregulhos que o tempo não demove.
Do fundo da ravina ao topo da colina, subia-se acelerando o bater de coração no esforço combativo de iludir a ladeira erguida para o céu, onde se expande o pensamento.
A cadência não dava folego. As descidas deixavam para trás um palco de cuidados e receios que logo se mudavam para um palco de bravura e resistência sublimados nas subidas.
A montanha russa rodava em linha, e ao fundo, o seu final via-se recortado no horizonte, tão próximo que quase lhe tocavam, mas era apenas ilusão, o fim tinha quilómetros a separa-los e as almas ansiosas venciam a distância voando nas espirais do vento entre o oceano mandrião e a frescura verde dos montes prolongando as falésias ate à serra orgulhosa do palácio erguido no seu cume abrindo as janelas para deixar um aceno de fraternidade aos adoradores do sol que dobravam todos os cabos para um novo caminho que lhes renovasse a esperança dum encontro com o mundo que procuravam.
E acharam o tempo desse mundo pisando praias enfeitadas por megalíticas rochas onde as ondas tinham repouso efémero espraiando em forma de espuma a paixão pela areia dourada que o sol com caricias de ternura seduzia embebendo cada grão com seu beijo de luz para lhes dar o encanto e fulgor que faz a vida atraente.
Nem todos chegaram ao fim. Há fontes duras em certos caminhos que aleijam quando por eles passam os que pediram mais do que o que podiam carregar. Para esses são dias sem história que o tempo esconderá mas que a memória revelará como algo que só foi mau por não ter vivido os últimos passos da aventura com os que viram o fim da montanha russa. Os que viram esse fim, olharam para trás e voltaram ao início. Naquele breve instante em que a vista lhes trouxe a praia de onde haviam partido algumas horas antes, sentiram um enorme contentamento interior e exteriorizaram-no mostrando como é linda a vida quando se vive fazendo o que se gosta mesmo que as dificuldades sejam duras ou se invoquem previsões para que o desânimo lhes faça rolinhos na massa cinzenta.
Não viam os caminhos por onde andaram, mas sentiam-nos nas pernas e na alma cansada e cheia de retratos da natureza, e isso era muito bom

joaocasaldafonte  

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