A semana fora aziaga.
Notícias davam conta de tempestades para o fim de semana, a
meteorologia anunciava vendavais, olhava-se o tempo e a cara que se via não era
para fazer amigos.
Previa-se borrasca de mãos largas e fartura de aconchegos de
inverno, já guardados, saírem para a rua esvoaçando ao vento e dando tons mais lúgubres
à paisagem.
Nada disto era assustador para os nómadas que aos fins de
semana calçam as botas e tiram a gravata para andarem por ai galderiando sobre
montes e terras planas. Já era pele
impermeável, pelas enxurradas carregadas, a que lhes cobria
o esqueleto, e umas gotas de água não era incómodo que os atormentasse. Mas, o
que a pele suportava, não deixava que o olhar consumisse e os passos avançassem
numa cadência segura e ligeira pelas arribas onde a aventura estava escrita.
Está escrito, cumpre-se!
As escrituras não se devem ignorar!
Estava escrito, cumpriu-se.
Na hora certa, como se ponto tivessem de picar, ali estavam
prontos para tudo, até para fazer o que os levara a levantar mais cedo da cama
do que as horas a que o galo tem por hábito ligar o despertador. O tempo
faltara à promessa. Da chuva nem sombras, o vento em contenção de esforços e as
nuvens, em lugar dos negro fumos que deitam do caldeirão quando a água lhes ocupa
todo o espaço da bexiga, eram favos de algodão branco decorando a tela onde o
mar se reflectia. Não se discutiram alternativas porque não havia nada para
alternar. Se o tempo falhara quem o dirige lhe pediria explicações. O
cumpridores ligaram as ventoinhas e voaram para a festa.
Da praia para as arribas foi como um salto de canguru.
Escada acima e, um aviso molhado na farpela de verão levou-os ao baú da mochila
onde as bola de naftalina conservam os trajes de inverno lá guardados. Coisa de
pouca monta. O baú não tardou a encher-se de novo com os trapos que por lá hão-de ficar até ao
inverno que venha com intenções mais castigadoras.
Afinal a semana aziaga deu em dia esplendoroso. Bom, nem
todos se podem dar ao luxo de poder dizer que lhes correu bem o dia, mas o corpo
não é ferro e às bananas falta-lhes o caroço, não sei se esta falta lhes faz
perder o valor nutritivo, estou apenas a constatar um fato.
Um sol magnifico, um vento sem vertigem e umas esporádicas
gotas de chuva que mais não eram do que chuveiros no caminho para refrescar do
calor da beira mar, deram o dia perfeito para fazer das falésias marítimas
simples estradas de sobe e desce percorridas em tom brejeiro galhofando com as
agruras que fundões e altitudes desferiam nos corpos.
Do topo da colina ao fundo da ravina, descia-se alimentando
o desafio dum calhau que foge debaixo dos pés e saltando os degraus da natureza
feitos com pedregulhos que o tempo não demove.
Do fundo da ravina ao topo da colina, subia-se acelerando o
bater de coração no esforço combativo de iludir a ladeira erguida para o céu, onde
se expande o pensamento.
A cadência não dava folego. As descidas deixavam para trás
um palco de cuidados e receios que logo se mudavam para um palco de bravura e
resistência sublimados nas subidas.
A montanha russa rodava em linha, e ao fundo, o seu final
via-se recortado no horizonte, tão próximo que quase lhe tocavam, mas era
apenas ilusão, o fim tinha quilómetros a separa-los e as almas ansiosas venciam
a distância voando nas espirais do vento entre o oceano mandrião e a frescura verde
dos montes prolongando as falésias ate à serra orgulhosa do palácio erguido no
seu cume abrindo as janelas para deixar um aceno de fraternidade aos adoradores
do sol que dobravam todos os cabos para um novo caminho que lhes renovasse a
esperança dum encontro com o mundo que procuravam.
E acharam o tempo desse mundo pisando praias enfeitadas por megalíticas
rochas onde as ondas tinham repouso efémero espraiando em forma de espuma a
paixão pela areia dourada que o sol com caricias de ternura seduzia embebendo
cada grão com seu beijo de luz para lhes dar o encanto e fulgor que faz a vida atraente.
Nem todos chegaram ao fim. Há fontes duras em certos
caminhos que aleijam quando por eles passam os que pediram mais do que o que
podiam carregar. Para esses são dias sem história que o tempo esconderá mas que
a memória revelará como algo que só foi mau por não ter vivido os últimos passos
da aventura com os que viram o fim da montanha russa. Os que viram esse fim, olharam
para trás e voltaram ao início. Naquele breve instante em que a vista lhes
trouxe a praia de onde haviam partido algumas horas antes, sentiram um enorme
contentamento interior e exteriorizaram-no mostrando como é linda a vida quando
se vive fazendo o que se gosta mesmo que as dificuldades sejam duras ou se
invoquem previsões para que o desânimo lhes faça rolinhos na massa cinzenta.
Não viam os caminhos por onde andaram, mas sentiam-nos nas
pernas e na alma cansada e cheia de retratos da natureza, e isso era muito bom
joaocasaldafonte
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